segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Memórias imaginadas.... de Teresa Duarte

Querido Diário,
7 março, 1916 (Norte de França)
                Hoje de manhã, cheguei ao Hospital numa das linhas da retaguarda. Vim com mais duas enfermeiras. Uma chama-se Katherine e é inglesa; e a outra é a Nicole, vinda de França.
                Este dia foi para as normais apresentações perante os médicos e ainda a mais alguns enfermeiros.
                Agora estou sentada na minha cama, no meu quarto, partilhado com as minhas duas companheiras de serviço.
                Amanhã, irei escrever-te para te contar o meu primeiro dia de atividade.

Olá Diário,
8 março, 1916 (Norte de França)
                Hoje, foi um dia bastante agitado.
                Tive que coser 3 cabeças, engessar 2 braços e desinfetar inúmeras feridas infetadas. No entanto, o meu dia de serviço ainda não acabou, vou estar de serviço com a Nicole e Katherine.
                A minha mini pausa acabou, tenho que ir. Espero voltar a escrever-te em breve.

Meu querido confidente, 
12 abril, 1916 (Norte de França)
                Desculpa por não te ter escrito antes. Têm surgido problemas com o uso de gases tóxicos e, agora, tenho muitos militares a enlouquecer e a ficarem doentes.
                Só tenho um soldado que está gravemente ferido sem ser desta maldita invenção. O seu nome é Mike e é inglês, tem olhos castanhos assim como o cabelo e tem 3 costelas partidas e um corte profundo na perna esquerda, devido a uma queda. Mas mantém sempre o espírito aberto com um humor inesgotável, tendo em conta que os militares são bastante sérios e quase nunca mostram o seu lado mais sensível e divertido. Já nos conhecemos há 2 dias.
                Lamento por não escrever mais mas tenho que ir descansar enquanto posso.

Querido Diário,                                                                                            
18 maio, 1916 (Norte de França)
                Já não te escrevo há algum tempo…
                Por aqui, o Mike já está bom e já está a combater, no entanto, cada vez mais há militares doentes, feridos e mortos.               Infelizmente, tenho que voltar, hoje foi dia de pouca escrita porque tenho mesmo de ajudar quem precisa de mim.
                Amanhã vou tentar escrever-te.

Olá Diário,
23 maio, 1916 (Norte de França)
                São 23h e 47 e tenho muitas novidades para te contar.
                Hoje, o Mike trouxe-me um amigo seu gaseado. O seu nome é Eduardo Paulo e é português.
                Prometi ao Mike que iria cuidar do Eduardo. Ficámos a conversar até que ele foi chamado pelo coronel.
                Voltei à enfermaria bastante feliz. Talvez tivesse sido o momento mais agradável que tive naquele triste Hospital.
                Infelizmente, tenho que ir.
               
Querido confidente,           
10 junho, 1916 (Norte de França)
                Fui infectada por uma doença devido a um militar todo mordiscado por um rato, a 24 de maio. É por isso que nunca mais te escrevi.
                Desse dia, só me lembro de ver esse paciente cheio de buracos sangrentos com marcas de dentadas, marcas de patas em forma de arranhões profundos. E dei por mim deitada na minha cama a arder em febre.
Desde ai tenho estado a recuperar. E todos os dias de folga o Mike me vem ver.
                Só espero ficar melhor, não gosto de estar deitada sem fazer nada, enquanto outras pessoas precisam da minha ajuda.
                Tenho uma visita. Amanhã, contar-te-ei as novidades.

Querido companheiro,
1 julho, 1916 (Norte de França)
                Hoje, por volta do meio-dia, poderei recomeçar o meu trabalho. Nem imaginas a felicidade que estou a sentir…
                Para recomeçar bem o meu trabalho já me vieram entregar, em mãos, alguns relatórios de feridos, de quem vou tratar e tomar conta.
                Bem, vou ler os relatórios. Escreverei assim que puder.

Olá Diário,   
2 julho,1916 (Norte de França)
                Infelizmente, trago-te más notícias. O amigo português do Mike, o Eduardo, morreu hoje ao meio-dia. Já estava bastante doente, e nem os médicos sabiam o que fazer…
                Não sei como é que vou contar isto ao Mike, amanhã. Ele vai ficar destroçado. Eu ficaria…

Querido Diário,
8 julho,1916 (Norte de França)
                Hoje pedi que me transferissem de volta a Portugal. Já não quero estar mais aqui, o meu trabalho é importante, mas irão substituir-me.
                Fora deste edifício, está a decorrer uma guerra mortífera que não vale a pena, muitos militares estão mortos ou feridos gravemente. Nas trincheiras há ratazanas “devoradoras” de cadáveres, torturadoras dos mais frágeis, gases capazes de matar milhares de pessoas, tiroteios intermináveis durante todo o dia. Aqui, todos estão sempre de coração nas mãos, na esperança de não serem mortos a lutar por várias pátrias de uma vez só. Isto é um ambiente miserável.
                Eu não quero continuar aqui, não aguento mais tempo.
                Só quero ir para casa.
                Já avisei todos que me quero ir embora, incluindo o Mike, a Katherine e a Nicole.


Querido confidente,  
9 julho,1916 (Norte de França)
Estou com bastantes dúvidas se devo ir ou não. Se ficar, cuidarei de militares, salvarei vidas, mas, por outro lado, penso que estou a começar a enlouquecer com aquilo com que lido todos os dias. Ainda não sei se fiz bem ou mal em pedir para sair daqui, porque isso implica abdicar do meu melhor amigo e de duas grandes amizades que aqui criei. Penso que isto requer uma enorme reflexão, mas já não posso votar atrás no pedido.

15 julho, 1916 (Norte de França)
                Hoje, vieram-me informar que não poderei sair assim tão facilmente. Para eu sair a guerra teria que acabar, ou eu teria que acabar o ano com os meus serviços de enfermeira.
                Por um lado, até estou feliz ….
                Estou bastante ansiosa para contar a novidade ao Mike, dia 17.

Querido Diário,
14 setembro,1916 (Norte de França)

                Vim, hoje, a saber que tenho uma doença, e que os médicos não conseguem descobrir em que se consiste nem como se trata. E isto preocupa-me, tenho febre, dói-me a cabeça, tenho tonturas, tenho vómitos e sinto-me tão fraca que nem me atrevo a levantar da cama; e desta vez não estou na cama do meu quarto, estou numa das camas do Hospital.

Teresa Duarte

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