5 de janeiro de 1918
Querida Mãe,
Encontro-me em Gravelle, na frente de combate no ocidente da Alemanha.
Cheguei há pouco menos de um mês, acompanhado dos meus compatriotas.
Infelizmente, não tive hipótese de escrever anteriormente, devido à
inexistência de um lugar minimamente privado em que pudesse redigir uma carta.
No dia da nossa vinda, dezassete de Fevereiro, muitos soldados
ocupavam-se a queimar as suas roupas, algo que é realizado periodicamente, por
causa de piolhos e outras pragas, que se tornam insuportáveis.
Estamos alojados junto de alguns franceses, perto do que é chamado de
Posto Médico, mas, a meu ver, é apenas mais uma abertura na terra, tal como
tudo o que existe aqui. Muitos homens acabam ali, com causas que variam desde
ossos partidos a balas prisioneiras no seu corpo, e até gases tóxicos, que os
corroem por dentro a partir do momento em que são inalados. Mas estes soldados
não sofrem apenas fisicamente, muitos também sofrem de problemas mentais. Não
se conseguem manter sãos, com tanta sujidade, dormitórios imundos, corpos de
compatriotas mortos deixados a apodrecer no solo, água raramente limpa, entre
muitos outros fatores, quase indiscritíveis.
Ao nosso lado estiveram, durante um tempo, alguns homens que, de pá na
mão, escavaram, para norte, mais túneis nas trincheiras, em plena batalha.
Alongaram-na devido à necessidade de espaço, sendo que estavam para chegar
reforços franceses há duas semanas, apesar de só terem vindo uma semana depois.
Confesso que o acontecimento que mais me surpreendeu foi no dia de
Natal. Não se ouvia nada. Todos estávamos silenciosos, e, tal como alguns
outros, estava deveras confuso com a situação. Momentos depois, alguns soldados
começam a sair da trincheira, que nos oferecia uma proteção sagrada da morte, e
caminhavam pela Terra de Ninguém, como se tivessem desistido de viver.
Rapidamente percebemos o que estava a acontecer: no dia de Natal, os soldados
de ambos os lados cessam fogo e juntam-se. Ficámos boquiabertos, sem saber o
que fazer, mas também o fizemos. Foi um
momento que nunca esqueceremos, mas muitos de nós poderão não voltar para
contar tudo isto às suas famílias.
Há um tempo que existem rumores de que a guerra está para terminar,
com a Alemanha a recuar e a perder terras, mas também dizem que vão executar um
grande ataque nos próximos tempos. Espero vivamente que este grande conflito
acabe, já que não apreciaria permanecer aqui por mais tempo.
Confio que a vossa vida seja calma, dentro do possível. Tentarei
contactar-vos o mais cedo possível, contudo, não posso predizer uma data.
Peço-lhe que trate da Joana, e que a assista com o que necessitar. Desejo-vos
sorte.
Beijos do seu filho
Afonso Mota
Sem comentários:
Enviar um comentário