segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Memórias imaginadas... ilustração (2)


Memórias imaginadas... de Carolina Gomes

17 de janeiro de 1920
Tinha 19 anos quando a minha vida se alterou. Tinha 19 anos quando a paz foi quebrada. Tinha 19 anos quando milhares de pessoas morreram inocentemente. Tinha 19 anos quando a Grande Guerra começou.
Eu era um rapaz jovem que vivia na ignorância. Acreditava que vivíamos todos em comunhão, tinha falsas esperanças. Pensava que podia mudar o mundo, pensava que todos éramos iguais.
Tudo mudou quando ouvi o sussurrar da temida sineta. A Guerra tinha começado. Por todo o lado havia comandantes que reuniam os seus exércitos. Impuseram-me, como a todos os outros soldados, a vontade de lutar pela pátria francesa. Foi orgulhoso por ir defender a Nação que parti para a Guerra, desconhecendo o sofrimento pelo qual iria passar. Ainda me lembro da minha ingenuidade, nunca mais me senti assim.
Foi em 1914 que o meu batalhão viajou para o Norte de França, emproado por ir combater pelo símbolo da independência francesa. Chegámos ao Marne e as nossas ilusões rapidamente se desvaneceram. As tropas alemãs tentavam conquistar o nosso território e instalara-se um ambiente de impasse. Escavaram-se as trincheiras e com elas a dor e a tortura.
Vivíamos como toupeiras, prisioneiros de um mundo subterrâneo. Todos os dias eram um completo martírio. O meu corpo estava inundado de pulgas. Os piolhos apoderavam-se do meu crânio. Já não tínhamos vontade de viver, éramos mortos-vivos prisioneiros das profundezas.
A 22 de junho de 1916 a frente alemã lançou gás fosgénio para as trincheiras francesas. Vidas inocentes foram abruptamente levadas pela substância tóxica. As nossas tropas tinham de reagir a este atentado.
Assim, na contraofensiva francesa, o nosso comandante relembrou-nos que tínhamos de avançar com bravura e não recear a morte. Sem qualquer outra opção, pus os trajes bélicos. Fui rapidamente buscar a minha metralhadora lewis e guardei a granada de mão. Temendo o futuro, avancei receosamente para a terra de ninguém.
Não conseguia andar, todo o meu corpo fraquejava e a minha alma estremecia. As granadas rebentavam ao meu redor e os tiros ensurdeciam-me. A terra tornava-se vermelha e eu corria desesperadamente sobre cadáveres, ansiava o fim daquele massacre. Sangue puro e inocente era derramado. As cidades ficaram desertas, não havia alegria. Tudo estava banhado de tristeza.
Irei sempre relembrar-me desse dia em que muitas mulheres perderam os seus maridos, em que muitas crianças perderam os seus pais. Mudou-me. Tornou-me consciente da crueldade humana.

Os ruídos estrondosos, o enorme sofrimento e as inúmeras perdas de vidas nunca me vão abandonar. Nunca me esquecerei da Guerra.

Carolina Gomes

Memórias imaginadas... de Margarida Rodrigues

30 de Abril de 1918

Algures em França,
Terminou ontem uma das batalhas mais mortíferas, até agora. Descobri hoje pelos meus camaradas que se chamou batalha de La Lys.
Quase ainda nem consigo abrir os olhos com medo de enfrentar e de rever as imagens dos últimos 20 dias... foi atroz... um enorme banho de sangue e o meu amigo, o meu camarada Zé António, perdeu a vida no dia 17. Pela primeira vez nesta guerra senti-me sem forças para prosseguir.
Era suposto sermos rendidos no dia 8, no dia anterior ao começo deste enorme prélio, que deitou por terra, provavelmente, mais de 500 homens valentes da nossa nação.
Acordo todas as noites debaixo de fogo a chorar incessantemente com os nervos à flor da pele, soluçando como uma criança, sonhando com os homens derramados por estes campos ensanguentados. A guerra está a deteriorar o meu foro psicológico, estou sem moral, sinto-me morto mesmo estando vivo.
Não gosto do que vejo, fico arrepiado com as explosões de granadas que rompem as trincheiras e os céus , porém todas as pátrias têm sido solidárias e  a entreajuda reina nos escassos tempos de paz! É bom ver campas dos nossos homens em dialetos estrangeiros, acima de tudo a humildade ainda não desvaneceu, porque nós todos sofremos por igual e os sentimentos de medo e trauma por todos são partilhados.

Até um dia...
Margarida Rodrigues

Memórias imaginadas... ilustração


Memórias imaginadas.... de Afonso Mota

5 de janeiro de 1918
Querida Mãe,                                                                                              
Encontro-me em Gravelle, na frente de combate no ocidente da Alemanha. Cheguei há pouco menos de um mês, acompanhado dos meus compatriotas. Infelizmente, não tive hipótese de escrever anteriormente, devido à inexistência de um lugar minimamente privado em que pudesse redigir uma carta.
No dia da nossa vinda, dezassete de Fevereiro, muitos soldados ocupavam-se a queimar as suas roupas, algo que é realizado periodicamente, por causa de piolhos e outras pragas, que se tornam insuportáveis.
Estamos alojados junto de alguns franceses, perto do que é chamado de Posto Médico, mas, a meu ver, é apenas mais uma abertura na terra, tal como tudo o que existe aqui. Muitos homens acabam ali, com causas que variam desde ossos partidos a balas prisioneiras no seu corpo, e até gases tóxicos, que os corroem por dentro a partir do momento em que são inalados. Mas estes soldados não sofrem apenas fisicamente, muitos também sofrem de problemas mentais. Não se conseguem manter sãos, com tanta sujidade, dormitórios imundos, corpos de compatriotas mortos deixados a apodrecer no solo, água raramente limpa, entre muitos outros fatores, quase indiscritíveis.
Ao nosso lado estiveram, durante um tempo, alguns homens que, de pá na mão, escavaram, para norte, mais túneis nas trincheiras, em plena batalha. Alongaram-na devido à necessidade de espaço, sendo que estavam para chegar reforços franceses há duas semanas, apesar de só terem vindo uma semana depois.
Confesso que o acontecimento que mais me surpreendeu foi no dia de Natal. Não se ouvia nada. Todos estávamos silenciosos, e, tal como alguns outros, estava deveras confuso com a situação. Momentos depois, alguns soldados começam a sair da trincheira, que nos oferecia uma proteção sagrada da morte, e caminhavam pela Terra de Ninguém, como se tivessem desistido de viver. Rapidamente percebemos o que estava a acontecer: no dia de Natal, os soldados de ambos os lados cessam fogo e juntam-se. Ficámos boquiabertos, sem saber o que fazer, mas  também o fizemos. Foi um momento que nunca esqueceremos, mas muitos de nós poderão não voltar para contar tudo isto às suas famílias.
Há um tempo que existem rumores de que a guerra está para terminar, com a Alemanha a recuar e a perder terras, mas também dizem que vão executar um grande ataque nos próximos tempos. Espero vivamente que este grande conflito acabe, já que não apreciaria permanecer aqui por mais tempo.
Confio que a vossa vida seja calma, dentro do possível. Tentarei contactar-vos o mais cedo possível, contudo, não posso predizer uma data. Peço-lhe que trate da Joana, e que a assista com o que necessitar. Desejo-vos sorte.

Beijos do seu filho
Afonso Mota

Memórias imaginadas.... de Teresa Duarte

Querido Diário,
7 março, 1916 (Norte de França)
                Hoje de manhã, cheguei ao Hospital numa das linhas da retaguarda. Vim com mais duas enfermeiras. Uma chama-se Katherine e é inglesa; e a outra é a Nicole, vinda de França.
                Este dia foi para as normais apresentações perante os médicos e ainda a mais alguns enfermeiros.
                Agora estou sentada na minha cama, no meu quarto, partilhado com as minhas duas companheiras de serviço.
                Amanhã, irei escrever-te para te contar o meu primeiro dia de atividade.

Olá Diário,
8 março, 1916 (Norte de França)
                Hoje, foi um dia bastante agitado.
                Tive que coser 3 cabeças, engessar 2 braços e desinfetar inúmeras feridas infetadas. No entanto, o meu dia de serviço ainda não acabou, vou estar de serviço com a Nicole e Katherine.
                A minha mini pausa acabou, tenho que ir. Espero voltar a escrever-te em breve.

Meu querido confidente, 
12 abril, 1916 (Norte de França)
                Desculpa por não te ter escrito antes. Têm surgido problemas com o uso de gases tóxicos e, agora, tenho muitos militares a enlouquecer e a ficarem doentes.
                Só tenho um soldado que está gravemente ferido sem ser desta maldita invenção. O seu nome é Mike e é inglês, tem olhos castanhos assim como o cabelo e tem 3 costelas partidas e um corte profundo na perna esquerda, devido a uma queda. Mas mantém sempre o espírito aberto com um humor inesgotável, tendo em conta que os militares são bastante sérios e quase nunca mostram o seu lado mais sensível e divertido. Já nos conhecemos há 2 dias.
                Lamento por não escrever mais mas tenho que ir descansar enquanto posso.

Querido Diário,                                                                                            
18 maio, 1916 (Norte de França)
                Já não te escrevo há algum tempo…
                Por aqui, o Mike já está bom e já está a combater, no entanto, cada vez mais há militares doentes, feridos e mortos.               Infelizmente, tenho que voltar, hoje foi dia de pouca escrita porque tenho mesmo de ajudar quem precisa de mim.
                Amanhã vou tentar escrever-te.

Olá Diário,
23 maio, 1916 (Norte de França)
                São 23h e 47 e tenho muitas novidades para te contar.
                Hoje, o Mike trouxe-me um amigo seu gaseado. O seu nome é Eduardo Paulo e é português.
                Prometi ao Mike que iria cuidar do Eduardo. Ficámos a conversar até que ele foi chamado pelo coronel.
                Voltei à enfermaria bastante feliz. Talvez tivesse sido o momento mais agradável que tive naquele triste Hospital.
                Infelizmente, tenho que ir.
               
Querido confidente,           
10 junho, 1916 (Norte de França)
                Fui infectada por uma doença devido a um militar todo mordiscado por um rato, a 24 de maio. É por isso que nunca mais te escrevi.
                Desse dia, só me lembro de ver esse paciente cheio de buracos sangrentos com marcas de dentadas, marcas de patas em forma de arranhões profundos. E dei por mim deitada na minha cama a arder em febre.
Desde ai tenho estado a recuperar. E todos os dias de folga o Mike me vem ver.
                Só espero ficar melhor, não gosto de estar deitada sem fazer nada, enquanto outras pessoas precisam da minha ajuda.
                Tenho uma visita. Amanhã, contar-te-ei as novidades.

Querido companheiro,
1 julho, 1916 (Norte de França)
                Hoje, por volta do meio-dia, poderei recomeçar o meu trabalho. Nem imaginas a felicidade que estou a sentir…
                Para recomeçar bem o meu trabalho já me vieram entregar, em mãos, alguns relatórios de feridos, de quem vou tratar e tomar conta.
                Bem, vou ler os relatórios. Escreverei assim que puder.

Olá Diário,   
2 julho,1916 (Norte de França)
                Infelizmente, trago-te más notícias. O amigo português do Mike, o Eduardo, morreu hoje ao meio-dia. Já estava bastante doente, e nem os médicos sabiam o que fazer…
                Não sei como é que vou contar isto ao Mike, amanhã. Ele vai ficar destroçado. Eu ficaria…

Querido Diário,
8 julho,1916 (Norte de França)
                Hoje pedi que me transferissem de volta a Portugal. Já não quero estar mais aqui, o meu trabalho é importante, mas irão substituir-me.
                Fora deste edifício, está a decorrer uma guerra mortífera que não vale a pena, muitos militares estão mortos ou feridos gravemente. Nas trincheiras há ratazanas “devoradoras” de cadáveres, torturadoras dos mais frágeis, gases capazes de matar milhares de pessoas, tiroteios intermináveis durante todo o dia. Aqui, todos estão sempre de coração nas mãos, na esperança de não serem mortos a lutar por várias pátrias de uma vez só. Isto é um ambiente miserável.
                Eu não quero continuar aqui, não aguento mais tempo.
                Só quero ir para casa.
                Já avisei todos que me quero ir embora, incluindo o Mike, a Katherine e a Nicole.


Querido confidente,  
9 julho,1916 (Norte de França)
Estou com bastantes dúvidas se devo ir ou não. Se ficar, cuidarei de militares, salvarei vidas, mas, por outro lado, penso que estou a começar a enlouquecer com aquilo com que lido todos os dias. Ainda não sei se fiz bem ou mal em pedir para sair daqui, porque isso implica abdicar do meu melhor amigo e de duas grandes amizades que aqui criei. Penso que isto requer uma enorme reflexão, mas já não posso votar atrás no pedido.

15 julho, 1916 (Norte de França)
                Hoje, vieram-me informar que não poderei sair assim tão facilmente. Para eu sair a guerra teria que acabar, ou eu teria que acabar o ano com os meus serviços de enfermeira.
                Por um lado, até estou feliz ….
                Estou bastante ansiosa para contar a novidade ao Mike, dia 17.

Querido Diário,
14 setembro,1916 (Norte de França)

                Vim, hoje, a saber que tenho uma doença, e que os médicos não conseguem descobrir em que se consiste nem como se trata. E isto preocupa-me, tenho febre, dói-me a cabeça, tenho tonturas, tenho vómitos e sinto-me tão fraca que nem me atrevo a levantar da cama; e desta vez não estou na cama do meu quarto, estou numa das camas do Hospital.

Teresa Duarte

Memórias imaginadas.... de Bernardo Alves

26 de Dezembro de 1914

       Amigo Diário
       Muita coisa mudou desde que escrevi aquele primeiro texto. Já não me considero um jovem entusiasta, ingénuo. Mantenho o entusiasmo em proteger o meu país, mas o país ficou bastante abalado com a invasão dos alemães que praticamente chegaram a Paris. Graças a Deus que os ingleses nos ajudaram.
    A guerra chegou a um impasse. Ambos os lados assumiram posições defensivas e começaram a escavar fossos, aos quais chamamos trincheiras. As condições pioram de dia para dia, devido à falta de alimentos e apenas chegam à frente de batalha alimentos de conserva.
  Mas, guardei o melhor para o fim . Anteontem e ontem, na véspera e no dia de Natal, ambos os lados confraternizaram. Sim, confraternizaram. 
Pensávamos que, pelo Natal, já estava tudo decidido, mas não. E não parece que esteja para breve o final.

Anteontem, ouvimos rumores de que tréguas tinham sido feitas por ambos os lados, começando em Ypres, na Bélgica, mas tínhamos receio de que fosse uma armadilha alemã. Começámos a cantar músicas natalícias e, do outro lado, logo nos começaram a imitar, apenas mudando a letra. Foi um momento especial, mas não ficou por aí. Um soldado alemão veio à terra de ninguém, dizendo, num francês macarrónico , que queriam tréguas. Então, na temida terra de ninguém, houve convívio e até troca de objetos das duas partes. Posso dizer  que, para mim, foi uma boa mudança, como uma lufada de ar fresco. Estas tréguas mantiveram-se até ontem; porém, hoje, a tensão recomeçou.
Bernardo Alves 

Memórias imaginadas de uma guerra real

Memórias imaginadas de uma guerra real
Trabalho interdisciplinar dos alunos do 9º ano do Colégio Valsassina



O esforço de cada um e o esforço de todos, a criatividade de cada um e a criatividade de todos, a sensibilidade de cada um e a sensibilidade de todos... foi assim que nasceu este projeto.
Mas que marcas deixará este livro nos alunos que o fizeram? Será que os tornará agentes de uma paz que conhecem e opositores de guerras que estão tão longe e tão perto? Promoverá o seu espírito humanista, mas também humanitário?
Não sabemos...mas gostaríamos que assim fosse.
A passagem do centenário da Primeira Guerra Mundial (1914/1918) ou da Grande Guerra, como também é conhecida, foi o motivo para estas e outras reflexões e, passo a passo, num trabalho que se quis transversal, foi-se erguendo esta obra que, pensamos, dignifica o trabalho de adolescentes do presente que não podem esquecer que jovens como eles, naqueles anos, viveram uma realidade bem mais difícil que a sua. Adultos ambiciosos e irresponsáveis para isso contribuíram, num tempo em que o desenvolvimento tinha atingido o seu auge e que se pensava irreversível...
O resto fica para reflexão do leitor.
Graça Luís (Coordenadora do Dep. História, Colégio Valsassina)